Considerando o contexto de violência letal e recrudescimento de dispositivos punitivos que (in)visibiliza segmentos juvenis negros e moradores da periferia como "humanos indiretos", esta dissertação teve como objetivo geral analisar modos de subjetivação juvenis em contexto de violências, a partir de narrativas de sujeitos a quem se atribui o cometimento de ato infracional acerca de suas trajetórias.
Os objetivos específicos foram: 1) discutir narrativas de adolescentes e jovens a quem se atribui o cometimento de ato infracional sobre suas experiências juvenis em territorialidades periferizadas e seus atravessamentos com a arte; 2) mapear efeitos das dinâmicas da violência no cotidiano desses adolescentes e jovens; 3) problematizar relações das políticas públicas com esses adolescentes e jovens, a partir de suas trajetórias institucionais. Metodologicamente, tratou-se de uma cartografia como método de pesquisa-inter(in)venção, articulada ao projeto de extensão Histórias Desmedidas, realizado pelo VIESES: Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação. Os participantes foram sujeitos em cumprimento de medida de meio aberto no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) da Regional V, além de egressos do sistema socioeducativo que participaram de ações daquele projeto de extensão no referido CREAS. As estratégias metodológicas envolveram realização de oficinas temáticas, entrevistas narrativas e acompanhamento de percursos com os participantes em seus territórios e na cidade. As narrativas dos participantes sobre suas experiências juvenis ressaltam cenas de violações de direitos, racismo, violência e sujeição criminal. Suas narrativas põem em relevo vivências em um fogo cruzado, decorrente das expectativas negativas da sociedade sobre seus futuros, dos conflitos territoriais ligados às disputas de facções e das políticas de segurança pública calcadas numa lógica de guerra e fabricação de inimigos. Corrobora-se, com efeito, a produção de modos de (des)subjetivação a partir dos quais a morte está corriqueiramente à espreita. As investidas de mortificação de tais juventudes se dão não apenas pela sua exposição à aniquilação física, mas por meio de uma matriz colonial de poder que simbolicamente engendra experiências de silenciamento, apagamento, homogeneização, segregação, abandono institucional, cidadania escassa e ausência de perspectiva de futuro próspero e longevo. Violências institucionais, expressas principalmente em relação ao sistema socioeducativo e à polícia, destacam-se em suas narrativas. Afetos como ódio, medo e ressentimento em relação a instituições diversas são realçados. Insurgências também se sobressaem nas narrativas desses jovens, que demonstram inconformidade com a problemática de precarização da vida, da violação de direitos e da exposição cotidiana à morte violenta, além de expressarem produção de vida e re-existências, a partir, por exemplo, da experimentação de deslocamentos por uma cidade historicamente segregada e pelos próprios territórios faccionalizados, e por meio da incorporação da arte, da poesia e da literatura como dispositivos de reinvenção de territórios existenciais. Desse modo, esperamos que esta pesquisa possa contribuir com discussões sobre modos de subjetivação e estratégias de (re)existências em tempos necropolíticos.
Palavras-chave: adolescentes. jovens. medidas socioeducativas. modos de subjetivação. violências.
Referência: CAVALCANTE, Clara Oliveira Barreto. "Humanos indireitos?": modos de subjetivação de adolescentes e jovens a quem se atribui o cometimento de ato infracional. 2020.193f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Psicologia. Fortaleza (CE), 2020.